quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A CONSTITUIÇÃO DOS EUA


O PRODUTO DE EXPORTAÇÃO MAIS IMPORTANTE DO PAÍS



Os fundadores dos Estados Unidos da América elaboraram a primeira constituição escrita do mundo há mais de 200 anos. O legado desse documento histórico está presente hoje na maioria das constituições do mundo e continua a influenciar os formuladores dos textos constitucionais mais recentes. Ao celebrar esse importante documento, um ilustre especialista em assuntos constitucionais discute como o modelo de Filadélfia ajudou a transformar o mundo e como continua a servir de exemplo para a governança democrática.



A CONSTITUIÇÃO DOS EUA é o produto de exportação mais importante do país. Sua influência em todo o mundo se fez sentir desde o início. E mesmo onde essa influência não conseguiu produzir democracia e liberdade foi capaz de criar a esperança, segundo as palavras do presidente Abraham Lincoln, de um governo do povo, para o povo e pelo povo.



Vale a pena contar a história dessa influência. Os fundadores dos Estados Unidos da América idealizaram uma constituição que 1 representou um avanço único na luta contínua pela liberdade do ser humano. Acreditavam no princípio do governo constitucional e esperavam que essa forma de governar ganhasse importância além das fronteiras do país. Thomas Jefferson considerava a constituição um monumento permanente e um exemplo duradouro para outros povos. "É impossível," escreveu, "não [perceber] que todos os seres humanos estão aqui representados." O presidente John Adams estava convencido de que as idéias políticas norte-americanas afetariam profundamente outros países. Alexander Hamilton pensava que caberia ao povo norte-americano decidir a questão sobre se as próprias sociedades são capazes de constituir um bom governo. James Madison, presidente e colaborador dos Documentos Federalistas, acreditava que a posteridade ficaria em débito com os fundadores pelo alcance de sua realização política e pelos princípios de boa governança introduzidos na Constituição dos EUA.



Assim, os fundadores tornaram-se mestres [em explicações] do porquê e (mais importante ainda) de como escrever constituições. Seus principais alunos foram os franceses. O Marquês de Lafayette, a exemplo de outros críticos do antigo regime na França, tinha grande admiração por Jefferson. (Existe um texto preliminar da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 - considerado geralmente um dos mais importantes documentos de direitos humanos já escritos - com notas manuscritas por Jefferson nas suas margens.) Os acadêmicos franceses se reuniram igualmente em torno do governador Morris, um dos principais artífices da Constituição dos EUA [creditado como autor do preâmbulo "Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formarmos uma União mais perfeita…"] em sua visita à Paris.



Mas os franceses não foram os únicos a exaltar os fundadores. A Constituição Polonesa, adotada em 3 de maio de 1791, precedeu em quatro meses o documento francês. Qualquer leitura cuidadosa da carta constitucional polonesa, a começar pelo próprio preâmbulo - confirma o estudo do modelo norte-americano. Além do mais, existem registros de consultas sobre constitucionalismo feitas a norte-americanos por acadêmicos alemães, austríacos, belgas, holandeses, espanhóis e portugueses e também por líderes do Novo Mundo. Um dos líderes do movimento revolucionário brasileiro, José Joaquim da Maia, encontrou-se com Jefferson na França para participar de tais discussões.



A PROPAGAÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO



A partir do dia 17 de setembro de 1787, uma peça constitucional escrita passou a ser vista como um traço característico de nação. Atualmente, das 192 nações independentes do mundo, todas elas, com raras exceções, possuem uma constituição desse tipo ou planejam ter uma. Entre as exceções encontram-se o Reino Unido, Nova Zelândia e Israel – nações democráticas dotadas de uma jurisprudência constitucional sofisticada, mas sem nenhum documento específico que possa ser chamado de constituição. Comprometidas com o princípio de supremacia parlamentar, as constituições dessas nações consistem de vários decretos legislativos designados especificamente como “leis básicas” (no caso de Israel) ou de conhecimento jurídico que tem sido classificado como fundamental ou orgânico.



CONSTITUCIONALISMO NORTE-AMERICANO ANTES DE 1787



Os historiadores concordam geralmente que a primeira constituição a estabelecer as regras básicas para a criação de uma entidade governamental e política foram as chamadas Fundamental Orders of Connecticut de 1639; sabe-se que a Constituição de Virgínia de 1776 foi a primeira a usar a palavra “constituição”.



Logo após a Declaração de Independência, em 1776, as treze antigas colônias inglesas começaram a escrever uma nova série de constituições. Quinze delas foram publicadas entre 1776 e 1787 e seis das mais importantes em 1776. Entre elas encontram-se as constituições de Pensilvânia e Virgínia. Ambos os documentos despertaram interesse no exterior e começaram a ser traduzidos para outros idiomas, especialmente o francês, algumas semanas depois de divulgados. Outras cópias, seja em inglês, francês ou outro idioma, foram logo parar nas mãos de acadêmicos da Polônia, Alemanha, Áustria, Suíça e Espanha, e também do México, Venezuela, Argentina e Brasil.



Com a assinatura da aliança entre a França e os Estados Unidos em 1778, esses textos constitucionais dos Estados, que passaram a ser conhecidos como Code de la Nature, foram publicados em Paris. Em 1783, o ministro dos EUA em Paris, Benjamin Franklin, obteve do ministro francês de Relações Exteriores uma autorização oficial para a impressão em Paris das Constitutions des Treize Etats de l'Amerique. Em 1786, um ano antes da elaboração da Constituição dos EUA, o filósofo e matemático francês Marquês de Condorcet, ao sintetizar suas idéias para a formulação de uma declaração francesa de direitos, realizou um estudo sobre o papel das idéias políticas norte-americanas intitulado De l'influence de la Revolution d'Amerique sur l'opinion et la legislation de l'Europe.



O PRECEDENTE NORTE-AMERICANO



Foi a Constituição de Filadélfia, entretanto, que criou o precedente irreversível do constitucionalismo. Na época de sua elaboração e mesmo antes de sua ratificação, um curso sobre a Constituição dos EUA estava sendo dado pelo advogado Jacques Vincent Delacroix no Lycee de Paris, uma instituição gratuita de educação superior. Não se sabe ao certo quantos estrangeiros freqüentaram esse curso. Sabe-se todavia, que o curso atraiu um grande número de adeptos e se tornou o tema de uma série de artigos de peso no Le Moniteur, o jornal mais importante da França. Paris era então a capital intelectual da Europa e o centro para estudos sobre revoluções e suas conseqüências.



Os belgas foram certamente uns dos primeiros povos a sentir o impacto das novas idéias constitucionais, como comprova a revolução belga de 1789. O Partido Democrático Belga, que existiu por pouco tempo em 1790, buscava nas constituições estaduais norte-americanas os exemplos das propostas que defendia.



As primeiras influências da Constituição Norte-Americana sobre constituições nacionais se fizeram sentir nos documentos de 1791 da Polônia e da França. A Constituição Polonesa não conseguiu se manter por muito tempo. Desapareceu vítima de fracionamentos que, em 1795, acabaram por inviabilizar a existência da Polônia como nação independente até após a Primeira Guerra Mundial.



Esse não é o caso da Constituição Francesa de 1791. Embora tenha durado muito pouco tempo e tenha sido substituída pelas constituições francesas de 1793 e 1795, a força de seu conteúdo foi sentida especialmente na Espanha. A carta constitucional francesa inspirada na dos EUA foi usada como base da Constituição de Cadiz de 1812, que foi a primeira constituição espanhola. Essa, por sua vez, serviu de base à primeira Constituição Portuguesa em 1822. Essas constituições ibéricas já eram conhecidas por Simon Bolívar e outros heróis dos movimentos de libertação da América Latina e foram também decisivas na elaboração das constituições das novas nações das Américas.



Já no ano de 1784, Francisco de Miranda desenvolvia um "projeto para a liberdade e independência de todo o continente hispano-americano" e em sua pesquisa acabou se valendo da ajuda dos principais constitucionalistas norte-americanos. Como não conseguiu o apoio necessário, ele viajou para Londres onde se dedicou ao mundo dos negócios por mais de duas décadas. Voltou à Venezuela em 1810 para trabalhar com Bolívar no estabelecimento de um governo latino-americano com base na Constituição dos EUA. A história é testemunha de que a Venezuela, a Argentina e o Chile criaram suas primeiras constituições em 1811, um ano antes da Constituição de Cadiz na Espanha. Todas [elas] se basearam em parte no modelo de Filadélfia.



A Constituição Norte-Americana também influenciou o desenvolvimento do federalismo latino-americano. A Venezuela e a Argentina são Estados Federativos, assim como o México e o Brasil, tendo ambos adotado suas cartas constitucionais em 1824.



A Constituição Norte-Americana também encontrou adeptos na África. A Libéria, que havia sido colonizada por escravos livres dos Estados Unidos, adotou uma constituição em 1847 escrita em sua quase totalidade por um professor da Faculdade de Direito de Harvard.



O precedente criado pelos Estados Unidos tornou-se uma fonte de inspiração e modelo para as constituições européias após as revoluções de 1848. Nesse ano, os primeiros desdobramentos constitucionais importantes ocorreram na Áustria e na Itália, e novas constituições foram promulgadas na França e na Suíça. Também esse foi o ano em que a Constituição de Frankfurt, aquela que jamais seria implementada, foi elaborada. Ela foi utilizada em uma versão modificada para a elaboração de constituições alemãs posteriores, como a formulada para a Alemanha Imperial e a que estabeleceu a República de Weimar em 1919.



O colonialismo norte-americano levou a novos avanços constitucionais na virada do século. Cuba, Panamá e as Filipinas adotaram cartas constitucionais nacionais no estilo norte-americano. O colonialismo em questão é também perceptível na Constituição do Haiti anterior à Primeira Guerra Mundial, supostamente escrita pelo então secretário adjunto da Marinha, Franklin D. Roosevelt.



A Constituição do México, adotada em 1917, foi de longe a mais importante do período da Primeira Guerra Mundial. Ainda em vigor, embora tenha sofrido emendas freqüentes, é considerada uma das constituições históricas mais significativas. Foi a primeira constituição a reconhecer os direitos econômicos e culturais bem como os políticos. Sua estrutura interna e muito de sua linguagem foi tirada diretamente da Constituição de Filadélfia. Também no período entre as duas guerras mundiais, muitas nações latino-americanas reescreveram suas constituições, e o modelo de Filadélfia está presente em todas elas. As constituições do Chile e do Uruguai são exemplos excelentes nesse sentido.



Com o final da Segunda Guerra Mundial, a influência norte-americana foi determinante na preparação das novas cartas constitucionais da Alemanha Ocidental e do Japão. Menos divulgado, mas igualmente significativo, foi a adesão da Constituição da Índia de 1949 ao modelo de Filadélfia. Cópias dos relatórios da Suprema Corte dos EUA estão à disposição dos ministros da Suprema Corte da Índia, onde não são apenas lidos, mas citados com freqüência.



O estudo do constitucionalismo norte-americano após a Segunda Guerra Mundial acabou por despertar o interesse praticamente universal no papel da Suprema Corte dos EUA nas decisões sobre a constitucionalidade da legislação. Essa função foi igualmente desempenhada pela Suprema Corte da Índia e pela Suprema Corte da Austrália bem como por outros países regidos pelas normas do direito consuetudinário. Os países latino-americanos não podiam realizar nenhuma revisão constitucional porque suas estruturas judiciárias eram baseadas no direito comum. Entretanto, essas nações desejavam incluir o processo de revisão judicial. A solução foi o estabelecimento de tribunais constitucionais. Os primeiros foram estabelecidos na Alemanha e Itália, e eles têm se disseminado desde então por todo o mundo. O Tribunal Constitucional da Polônia (estabelecido nos anos 1980) foi o primeiro no mundo comunista. O Brasil, que promulgou uma nova constituição em 1988, reexaminou o seu sistema judiciário para determinar se deveria colocar a revisão judicial no âmbito da Suprema Corte ou criar um tribunal constitucional.



A Constituição de Filadélfia continua, assim, a produzir os seus efeitos. A Nigéria, o país mais populoso da África, descartou o parlamentarismo que havia herdado da Grã-Bretanha e que estava incorporado à Constituição da Independência. Em 1999, o país adotou uma nova constituição, incorporando o sistema presidencialista e encerrando anos de regime militar. A influência norte-americana ficou igualmente evidente nas constituições adotadas pelo Canadá e Honduras em 1982, El Salvador em 1983, Libéria em 1984, Guatemala em 1985 e as Filipinas em 1987.



PARA ENTENDER A INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA



Tudo isso leva a uma questão: como se explica a grande influência da Constituição Norte-Americana? Para começar, ela foi a primeira constituição e criou, assim, um precedente óbvio para todos os responsáveis pela elaboração de cartas constitucionais subseqüentes. Seus autores são na grande maioria advogados, e advogados estão sempre em busca de precedentes. Desde o início foram publicados comentários sobre a Constituição Norte-Americana, e ela foi analisada e estudada por advogados em todo o mundo.



Os fundadores dos Estados Unidos da América acreditavam em uma república com limites constitucionais e foram bem sucedidos na construção de um regime que buscava um perfeito equilíbrio entre ordem e liberdade. Isso fez com que um número cada vez maior de estrangeiros visitasse nosso país para estudar o estilo norte-americano de governar e depois recomendar a sua adoção em seu país de origem, ainda que limitada a determinados aspectos. Em muitos casos, isso foi possível graças às bolsas de estudo concedidas por fundações e universidades norte-americanas e às verbas do governo dos EUA. Também merecem ser citados aqueles estrangeiros que vieram ao país com outros objetivos e que foram igualmente inspirados pelo constitucionalismo norte-americano. Esse processo começou com Lafayette da França e Tadeusz Kosciuszko da Polônia, ambos oficiais no exército de George Washington que depois se tornaram líderes nas lutas pela liberdade em seus próprios países.



De forma inversa, a influência da constituição dos EUA chegou ao exterior levada por cidadãos norte-americanos convidados para atuarem como consultores na elaboração de outras constituições. Foram norte-americanos que ajudaram a elaborar as constituições liberiana, mexicana, alemã, japonesa e do Zimbábue. Os acadêmicos norte-americanos também contribuíram com idéias para a reforma constitucional nas Filipinas [e mais recentemente na Europa Oriental e no Oriente Médio].



A principal razão para a influência da Constituição de Filadélfia no exterior, no entanto, pode ser resumida em uma palavra - sucesso. Os Estados Unidos são o país mais rico, mais livre e mais poderoso do mundo, e sua constituição é a de mais longa duração. A segunda mais antiga do mundo é a da Bélgica, de 1831, seguida pela da Noruega, de 1841. Existem apenas quatro outros países com constituições escritas antes do século 20: Argentina em 1853, Luxemburgo em 1868, Suíça em 1878 e Columbia, personificação feminina dos EUA, em 1886. Sete outras constituições foram criadas antes da Segunda Guerra Mundial.



A Constituição dos EUA tem resistido ao teste do tempo. A pesquisa sobre constitucionalismo norte-americano tornou-se um projeto muito importante em pelo menos uma dúzia de países. E seus méritos estão sendo analisados com vistas à elaboração de novas constituições.



* A Constituição de 3 de maio de 1791 de Jan Matejko mostra a nova Constituição Polonesa mantida ao alto pelo rei Stanislaw August Poniatowski. Ele é carregado triunfalmente ao deixar o Castelo Real, visto ao fundo e onde quadro se encontra atualmente, para a Catedral de São João, em Varsóvia (Maciej Bronarski, fotógrafo, por cortesia do Castelo Real de Varsóvia)



*Albert P. Blaustein foi professor de Direito na Faculdade de Direito de Rutgers (Universidade Estadual de Nova Jersey). É autor de vários trabalhos acadêmicos sobre constitucionalismo, inclusive uma obra em seis volumes sobre a Constituição dos EUA intitulada Constitution of Dependencies and Special Sovereignties. Blaustein ajudou a elaborar mais de 40 constituições em todo o mundo e esteve em muitos desses países. Em 1991, ajudou a escrever a constituição da República Russa. O Professor Blaustein faleceu em 1994.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Frase do término de eleição!

"Em política não existe vazio"

Deputado Rubens Otoni, explicando que as decisões de agora com certeza dão início a corrida eleitoral de 2010 presidencial e do governo do estado de Goiás.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Obras para serem curtidas - lidos e aprovados

Cidade Partida - Zuenir Ventura

***** Livro lendário e ótimo filme ( Era uma vez ...)


Vozes do golpe - um voluntário da pátria - Zuenir Ventura, Carlos Heitor Cony,Fernando Verissimo e Moacyr Scliar

***** Não é bem um jornalismo literário mas um bom relato sobre o que o Brasil não deve esquecer e nem retornar


O livreiro de Cabul - Âsne Seierstad

***** Aventuras e aventuras do mundo da literatura


Dos delitos e das penas - Cesare Beccaria

***** Delito - desconserto Pena - recuperação


Legitima Defesa - Julio Fioretti

***** Criminologia e seus mistérios

Entre outras coisas ...

"Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que se decompõe é a linguagem."

Octavio Paz

Grande idéia!

"O melhor jornal brasileiro seria feito não com informação, mas com explicação."

Zuenir Ventura

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

“Bandido bom não é Bandido morto...”

Estene Barbosa Teixeira*


A ausência do respeito aos Direitos Humanos e o modelo perverso de se criminalizar a pobreza tem se perpetuado dentro da sociedade e da estrutura policial brasileira por diversas razões: a herança dos últimos vinte anos do modelo educacional, a falência da política de distribuição de renda, e o modelo policial de visão analógica em um mundo digital. A tolerância de alguns segmentos da própria sociedade que apóia este tipo de prática policial ajuda a propagar a idéia
equivocada de que “Direitos Humanos é para proteger bandido”, afinal de contas, quantas pessoas não acham que o “cidadão infrator” deve ser torturado, apanhar, quando roubou sua televisão, ou outros bens materiais, ou até morto pela polícia nos casos violentos?

Infelizmente é esse o verdadeiro sentimento de “Justiça”, na cabeça de muitos cidadãos brasileiros que perderam seus filhos vítimas da criminalidade, que assistem impotentes a burocracia institucionalizada de um processo levar quatorze anos para ser julgado.

O cidadão acredita por certo que esta atitude seja uma solução para “sublimar” seu sofrimento a dor da perda do ente querido e a emanação da ação efetiva do ideal de justiça buscado erroneamente pelo indivíduo.

Analisando o problema do ponto de vista sócio-cultural observamos que a violência policial tem raízes culturais muito antigas, desde o regime colonial em gênese até o presente momento e este paradigma têm uma relação diretamente proporcional à ineficiência do Estado que não qualificava os profissionais de segurança pública.

É difícil admitir, mas existe uma demanda dentro da própria sociedade em prol da prática da violência policial. É esta violência, que serve à sociedade dentro de diversos aspectos e circunstâncias, especialmente no tocante à solução dos crimes contra o patrimônio. Por este motivo, há uma dificuldade do Estado no âmbito da segurança pública, em mudar radicalmente esta visão equivocada da real missão do que é “Policia”.

Se falarmos na visão semióti ca de Jean-Claude-Monet, pois a polícia continua sendo uma forma de “controle da violência legítima do Estado”, como bem nos ensina Michel Foucault, referindo-se ao meta-modelo “panóptico” em seu livro “Vigiar e Punir” referindo-se que conseqüentemente haveria uma evolução do uso legítimo da força por parte dos organismos policiais.

A questão da democracia é então, um ponto de extrema importância nesse debate. Isso porque a violência policial, inevitavelmente, gera as mais graves violações aos direitos humanos e à cidadania, que são elementos inerentes ao regime democrático, pois a vida gregária gera inevitavelmente deveres e obrigações.

Hoje, a mesma sociedade que pensa na violência policial como “algo aceitável” no exercício da função, para a resolução de alguns crimes, sofre também seus “efeitos colaterais”. Com o aumento das soluções violentas adotadas por alguns policiais do passado, os bandidos respondem com mais violência ainda. Basta ver o que ocorre, atualmente, no Rio de Janeiro e São Paulo com os sucessivos ataques à polícia e demais organismos de Segurança Pública do Estado.A desvalorização da vida humana, implícita nessas idéias, contribuiu, sem dúvida, para esse espiral de violência, atingindo polícia e população. A indiferença da sociedade em relação à criminalidade acabou por tornar os bandidos indiferentes mesmo a sua própria vida.

A impunidade de policiais violentos e corruptos somaram-se aos mesmos fatores que fazem os infratores: a cultura do machismo, o “ethos” da guerra, a valorização da força física do indivíduo, a letalidade e alcance as armas de fogo, o domínio do dinheiro para o alcance de um status social. Toda essa violência volta como um forte eco para a sociedade, pois a família do policial assassinado: filhos, esposa, pais, irmãos estão inseridos na sociedade, a partir deste episódio esta família terá como bandeira, o jargão errôneo “bandido bom é bandido morto”.

Não pensemos que a violência policial é solitária. Desamparada, “ela é filha da sociedade” que inconscientemente a defende, apóia e incentiva, tornando o policial torturador ou espancador num “pseudocondenará no banco dos réus. Na mídia nacional, a exemplo disto, reproduz-se o estado a que chegamos. No Rio de Janeiro é de praxe as autoridades públicas confirmarem de forma “natural” que o morto “era um traficante” e não um “cidadão qualquer”, que comandava
o tráfico do morro “x” ou “y” como se o fato de ser “um cidadão infrator” isentasse naturalmente o crime.

“Menos um!” - repetem aliviados taxistas, frentistas, donas de casa, empresários, funcionários públicos, diante do cadáver. Não importa como o infrator foi morto, importa que ele era um bandido e que isso já basta para justificar a sua morte, não entendendo a sociedade que “bandido bom, não é bandido morto”, se a sociedade acreditar nisto será uma negação à Democracia e ao Estado de Direito que com tanta luta conseguimos.

* Capitão da Polícia Militar do Acre, tutor da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp),
especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Comunicação: a virtude e os transtornos do diálogo

A comunicação é a grande diferenciação do ser humano com demais sociedades, o que define como organização baseada na presença de cultura. Uma das principais ferramentas para a formação da sociedade, do desenvolvimento do homem no decorrer do tempo, a transferência de tradições, credos, leis e demais só é possível pelos meios de comunicações. O que para alguns estudiosos, como Mac Luhan, que define estes meios como extensões do homem, isso é confirmado quando se observa que a comunicação é a principal ferramenta das relações existentes no cotidiano, e a influência de uma para outra é notável.
Os processos comunicacionais são objetos de estudo no decorrer dos séculos, tanto na forma fisiológica, estrutural, história, até mesmo na relação que cada uma dessas esferas transforma as relações do homem com o homem, e do homem e a sociedade em si. As mudanças tecnológicas de fato também transformam o ser humano, o imediatismo da informação, os novos recursos, mas tecnologia alguma ou qualquer influência de poder, como em casos de ditaduras, mudou a relação existente de virtude e transtorno do diálogo.
Um dos lugares em que isso é facilmente notado, um ambiente hospital, um consultório, o lócus, de um lado o emissor, o profissional em constantes desafios e dualidades, de outro lado o receptor, alguém que necessita de muitas coisas, mas entre todos os questionamentos a necessidade de uma resposta, apenas uma que ele quer escutar, cura!
Profissional – entre todas as lutas, a inconstante da vida
Doenças generativas certamente devem ser as que mais revelam os desafios das comunicações entre estes dois campos, os profissionais, médicos, enfermeiros, entre outros, pacientes, familiares e seu mundo. O câncer está aí uma doença que ainda revela a fragilidade do ser humano diante ao inesperado, diante ao caos, diante aos muitos desafios.
Apesar da evolução da medicina, e da postura cada vez mais humanista dos médicos, a doença ainda traz muitos desafios, talvez o maior, o processo comunicacional. Há sim muitos avanços, tratamentos e procedimentos que não só tem trazido longevidade, cura ou até mesmo mais conforto a paciente e família, já que é uma doença que se figura em toda ambiente familiar e afetivo, o estado do paciente traz comoção e referência.
O diagnóstico continua assustar, pois ainda é uma doença com alta taxa de mortalidade, e que tem talvez um dos tratamentos mais longos e dolorosos. E talvez aí esteja o maior desafio entre médico e paciente, ou mesmo médico e família. O médico tem o compromisso ético de informar o paciente do seu real estado, mas tem muitas vezes em mente que o reflexo psicológico desta informação pode comprometer completamente o processo do tratamento; além de que jamais pode tirar a expectativa de vida do paciente, já que essa varia de acordo com cada paciente.
Entre os corredores do hospital, nos consultórios, olhando de leve, talvez não sejam perceptíveis os muitos desafios enfrentados pelos pacientes, porque diante as muitas barreiras entre os especialistas e os que ali necessitam está o envolvimento pessoal do profissional, que tem consciência de que em muitos casos não há se quer resposta para ser dada a não ser o cuidado para que se tenha pelo menos qualidade de vida, quando essa está por um fio.
O medo de não saber o que está acontecendo contigo mesmo

Talvez o pior sentimento que um paciente precisa enfrentar é as constantes mudanças que a doença causa ou pode ocasionar, e muitas vezes a falta de informação diante a isso é tão depressiva quanto às todas as reações psico-sintomáticas da enfermidade. O paciente busca com ansiedade respostas, caminhos e em muitos casos o seu meio não está preparado para tais, já que ninguém do seu círculo afetivo se prepara em seu cotidiano para enfrentar tais situações, de outro lado os profissionais em demais desafios vivem, dentro da atual realidade, sobrecarregados, mental e fisicamente tão despreparados, ou mesmo por autodefesa se distanciam ou se anulam diante os muitos fatos vividos pelo enfermo e os seus entes queridos.


O que responder a uma pessoa que têm constantes questionamentos, estes maiores muitas vezes que suas próprias esperanças, diante do estado crítico que enfrenta posição que o impede até de perguntar? O que dizer a uma pessoa que necessita escutar o que talvez seja impossível de dizer? Até onde vai a vontade própria e o respeito a essa quando a doença levou do paciente a vontade de lutar e o continuar de um tratamento? Entre todos os efeitos colaterais de uma enfermidade como o câncer para um paciente talvez o mais doloroso sejam os questionamentos, o medo de não ter respostas e destas não chegar ao seu real objetivo, mais do que se sentir enganado, ou muitas vezes invadido.

Porque diante todo o processo, esse que em muitos casos podem ser longos, a invasão pode acontecer tanto no ambiente familiar, hospitalar, entre outros. A pessoa pode sim está em um estado degenerativo, talvez terminal, e nessas horas em alguns casos o desespero pode levar a muitas situações, tantos de atitudes impensadas ou drásticas, ou mesmo quando o paciente se vê anulado ou mesmo suas vontades anuladas para que outras vontades alheias, ditas como as melhores para ele sejam colocadas. O caos da comunicação pode surgir exatamente nos primeiros momentos, ainda num diagnóstico errado, ou mesmo pelo despreparo profissional ou insensatez deste, de entregar um caixão em vida a um paciente quando ele ainda respira.
A importância de uma palavra ou de uma qualidade de vida para o paciente é tão primordial quanto um remédio e procedimento de alta qualidade. Porque é deste processo que talvez seja o caminho mais difícil para um profissional de saúde, que não tem todas as respostas, a não serem tratamentos paliativos, que tem inúmeros números e nomes, sistemas que muitas vezes são precários, que possui em seu cotidiano tantas constantes ao ponto de talvez a melhor defesa seja fazer o melhor, mas saber que todos ali talvez tenham o mesmo caminho.
Os desafios são imensos porem superáveis quando o mais essencial para um processo de comunicação é colocado em prática, porque o processo comunicacional se estende quando se há preocupação e assimilação com o outro. Em muitos casos realmente o médico não pode dizer para o paciente que ele vai ser curado, mas pode dizer que ele vai muito bem diante aos fatos, que vai respirar melhor ou mesmo um sorriso vai tirar da lembrança uma das mais insuportáveis companhias, a dor! O remédio não cura por si só ...


terça-feira, 7 de outubro de 2008

O eleitor está frio e distante

Professor Paulo Moura faz breve análise sobre a apatia que pousou sobre os eleitores brasileiro

por Paulo Moura
Professor[25/09/2008]


Nos últimos meses tive oportunidade de viajar por vários municípios do interior do Rio Grande do Sul e, com raras exceções, na maioria deles tive a impressão de que não está acontecendo uma eleição. Conversando com agentes políticos ouvi o mesmo relato sobre outros municípios do estado. Não sei se o mesmo está ocorrendo no resto do país, mas tenho a impressão que sim.
Inquirindo políticos sobre as razões para isso, ouvi que as restrições à liberdade de imprensa e a lei que impõe limites à propaganda eleitoral teriam assassinado o debate político e, com isso, afastado o eleitor do envolvimento com as campanhas eleitorais. Talvez, em parte, isso ajude a explicar o que se passa. No entanto, já se passaram mais de trinta dias desde que começou o horário eleitoral gratuito na mídia e o eleitorado continua frio; distante da eleição.
Acompanho pesquisas eleitorais há anos. Falo de pesquisas feitas para entidades empresariais ou para partidos, e que não são publicadas. Nesse tipo de pesquisa, dentre outras coisas, avalia-se a audiência da propaganda política na mídia e a retenção das mensagens na mente do eleitor. Os índices de audiência, no passado, costumavam ser de 60% da audiência do horário equivalente em período não-eleitoral, no início e no fim das campanhas, e de cerca de 40% no meio da campanha. A curiosidade inicial e a necessidade de escolher um candidato num contexto de obrigatoriedade do voto, explicavam a audiência maior no início e no fim da eleição.
De uns anos para cá a legislação autorizou os spots de propaganda política no meio da programação normal, e não mais apenas no horário vespertino e noturno. Desse tipo de propaganda política, ninguém que ouça rádio e veja TV aberta escapa. Mesmo assim, em pesquisas às quais tive acesso, o número de pessoas que revela contato mais intenso com a disputa eleitoral em curso na mídia há mais de 30 dias, está muito abaixo dos pleitos de anos anteriores.
É difícil fazer uma avaliação mais precisa para as razões desse tipo de comportamento do eleitorado sem ter pesquisas qualitativas em profundidade que permitam aferir o que se passa na mente do eleitor. No entanto, é razoável supor que dois fatores possam explicar essa distância do povo em relação à política.
Por um lado, a bonança na economia. Com dinheiro no bolso, o povo vai reclamar do que? Por outro lado, talvez o fator maior a explicar o distanciamento do povo da política esteja na corrupção do PT. Concordando ou não com a ideologia petista, o fato é que o petismo [retórico] aparentava ser a reserva moral da nação; a esperança de que um dia a política poderia ser feita de outra forma; de que o país poderia ser diferente. Flagrado em franca contradição com o discurso de antanho, o PT acabou com a ilusão e a ingenuidade de todos os que acreditavam no que os petistas pregavam sobre a moralidade política. Num primeiro momento a descoberta gerou um misto de decepção com indignação nos eleitores do PT de outrora. O desencanto da classe média dos grandes centros urbanos ficou evidente nas urnas de 2004 e do plebiscito das armas em 2005.
Contabilizada a irreversibilidade do prejuízo, o PT executou, com sucesso, uma esperta manobra de marketing. De partido que acusava todos os seus adversários de imorais e desonestos, passou a dizer que “a política é assim mesmo” e que “todos fazem” o que PT foi flagrado fazendo. Deu certo. Primeiro os próprios políticos se perdoaram no Congresso; em seguida o povo os perdoou nas urnas.
Lula e uma parcela expressiva dos mensaleiros e sanguessugas se reelegeram. Os frutos da ortodoxia econômica de 2005 estão sendo colhidos agora. Aos poucos os escândalos do passado foram se perdendo na memória popular e encolhendo nas páginas dos jornais. A corrupção foi banalizada. Manchetes sobre ilicitudes no trato da coisa pública tornaram-se tão freqüentes que sequer escandalizam mais. E o povo se comporta como certos pais de filhos drogados que preferem fingir que não sabem e não vêem o que está na cara.
Como a economia vai bem e o povo está com dinheiro no bolso, as pessoas preferem fingir que não vêem. Conformaram-se. Entre impotentes e coniventes, decidiram conviver com a bandalheira generalizada que tomou conta dos poderes constituídos da nação. Conformado, o povo perdeu a capacidade de se indignar. Essa, talvez seja a principal causa da desmobilização da população em relação à eleição em curso. Mas, essa gente toda, que parece parada e distante, dia 5 de outubro, vai votar. E a conversão repentina as urnas desse povo que olha o pleito de longe, pode causar surpresas que as pesquisas, talvez não estejam registrando. Os institutos não fazem as perguntas que seriam necessárias para entender-se o que se passa na mente dos brasileiros.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Nepostismo? Ameaça a Democracia

Práticas de nepotismo na política indicam que a democracia ainda tem muito a aprender


O termo nepotismo aparece regularmente nos noticiários brasileiros, entre manchetes, polêmicas e decisões judiciais. A prática no país, que pode ser fruto das capitanias hereditárias e nomeações portuguesas do período colonial, continua sendo exercida com tranquilidade pelo poder executivo. De acordo com o Dicionário de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, a expressão deriva de nepos, espécie de escorpião, cujas crias assentando-se sobre o dorso materno, devoram-no pouco a pouco.

O ato seria nada mais do que favorecimento pessoal, meio encontrado por governantes de visar somente o seu interesse particular e de parentes. Usando da autoridade e da representividade conseguida pelo ato eleitoral, políticos nomeiam um ou mais parentes próximos para o serviço público, facilitando favores. Algo que normalmente pode ser visto ainda na esfera pública, entre funcionários públicos concursados, principalmente em cargos importantes. Esta indicação familiar é comumente chamada de “pistolão” ou mesmo “empreguismo”.

Uma prática antiga

O “nepotiar” é uma realidade antiga do Brasil, que esconde mil facetas e está longe de ser banida. Porém, a ação não é exclusividade brasileira. O nepotismo já era algo debatido pelos franceses antes de sua Revolução (1789). Talvez teve seu surgimento no Feudalismo, ou bem pode ser parte da mente humana de controle a partir do poder. O costume milenar é algo próximo ao controle tirano, em que o poder precisa ficar na mão de poucos para assim obter o controle total. Algo que para muitos deve ser exagero quando se trata apenas de uma indicação familiar, o nepotismo mediaticamente quase sempre é visto apenas como um simples arranjo político.

A sociedade vê com má fé a violação aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa, assim como o Ministério Público Federal que recentemente pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) que investigasse a contratação de parentes do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), do deputado Ciro Nogueira (PP-PI) e do senador Efraim Moraes (PFL-BA) sem concurso público. O advogado goiano Felipe Mendes afirma que vê a “nomeação de parentes” como uma perda da política brasileira. “Quem perde com esta falta de compromisso não é só a União e tão pouco o Presidente da República, é a população que precisa cada vez mais contribuir com o rombo do setor público e a perda dos benefícios sociais.” Também contrária ao nepotismo, a dona de casa Eliseth Araújo acha que os políticos contratam parentes e amigos próximos para acobertar seus desvios.

O nepotismo, assim como a corrupção e outras falhas políticas, faz com que o país seja desigual, até mesmo desumano. Pois é preciso estar ligado ao poder para se beneficiar de direitos básicos de cidadania. O desvio de dinheiro e benefícios está na maioria das vezes ligado ao favorecimento pessoal de membros dos três poderes. A sociedade perde não só o respeito pelos seus representáveis, como também, a garantia de que a Constituição e a Democracia são respeitadas como foro de cidadania.

Atitudes “nepóticas” engrenam a política do favorecimento, do enriquecimento ilícito, da minorização do poder. O que resulta ao país uma imagem de regresso colonial, onde o absolutismo nomeia motivado pelo interesse pessoal, seja ele religioso ou então simplesmente mercantil (contemporâneo capitalismo). Sejam facetas realizadas por um presidente da Câmara, como Severino Cavalcanti ou pelo prefeito de um Distrito qualquer. E tão pouco importa se os beneficiados são diplomados ou mesmo analfabetos. A discussão se parte pelo princípio, o nepotismo é o ato da morte, da morte da democracia.